terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O Livro dos CIEPS – Darcy Ribeiro

 Darcy Ribeiro inicia seu texto abordando o que chama de “fracasso educacional brasileiro”, embasado em censos de alfabetização e escolarização das décadas de 1970 e 1980, comparando o caso brasileiro com países da América Latina como Argentina, Cuba, Uruguai e Costa Rica. Para o autor, esses indicativos atestam a existência de uma escola pública “antipopular”.
            Nesse sentido, Ribeiro critica o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) – que propunha uma alfabetização funcional de jovens e adultos – instituído pela ditadura militar, vigente no período avaliado pelo censo. O autor reconhece o crescimento da população escolar no período do programa, mas alega que houve um crescimento quantitativo, não qualitativo. Ou seja, houve um aumento no número de atendidos, mas não uma melhora nas condições oferecidas, sejam estruturais ou pedagógicas. Diz ainda que esse fracasso da educação brasileira se deve principalmente a atitude das classes dominantes para com o povo.
            A eleição de Leonel Brizola como governador do Rio de Janeiro representa uma variedade de reformas na educação pública do estado, o que Ribeiro vai chamar de “A Revolução educacional brasileira”. Incluído nessas reformas está o tempo de atendimento escolar, que passa a ser integral; a gratuidade em ônibus para estudantes uniformizados, o que facilita o acesso da população pobre (maioria no ensino público) à educação; o reajuste salarial semestral, que garante a valorização financeira do profissional da educação e a concessão do 13º salário, ao qual a classe não tinha direito. Assim, no Rio de Janeiro a rede pública passa a pagar um salário maior do que a rede privada.
            Nesse sentido, dentro do projeto passam a existir vários programas e movimentos, como o Movimento Escola Viva, que eram reuniões realizadas pela Comissão Coordenadora de Educação e Cultura cujo objetivo era uma participação mais democrática dos professores; e o Programa Especial de Educação (PEE), originado das reuniões realizadas pelo Movimento Escola Viva, que tinha por objetivo consolidar um ensino público moderno, estruturado e democrático.
            Iniciando o seu primeiro governo do estado fluminense em 1983, Leonel Brizola e sua equipe estabelecem algumas metas para o arrojado projeto educacional empregado. Dentre essas metas estavam a construção de 500 CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) até 1987 e implantar 150 Casas da Criança. Nessas novas instituições, seria fornecido aos estudantes uma assistência médica e odontológica, refeições completas, material didático revisado e, aos profissionais da instituição, estariam garantidos a formação pedagógica necessária e os recursos profissionais para a implementação prática do projeto pedagógico. Tudo isso pautado no regime integral de ensino.
            Mãos postas à obra, a primeira fase de construção gerou 60 CIEPs, somados a 100 até 1986, 140 na terceira fase e mais 200 na quarta, completando assim 500 CIEPs espalhados pelo estado do Rio de Janeiro.
            Os CIEPs contavam com uma proposta pedagógica diferenciada, rompendo com as barreiras da escola pública antiga e promovendo uma participação mais intensa da população pobre. Tal proposta tinha como base a interdisciplinaridade, numa nova dinâmica pedagógica visando o atendimento especial ao aluno em fase de alfabetização, os repetentes e os renitentes. Para tanto, fez-se necessário uma reforma também no material didático oferecido pela rede de ensino. Esse material didático inovador se adequava aos três tipos de aluno citados acima, de acordo com a ação do professor – a peça central de todo o projeto governamental.
Para se dimensionar os objetivos do projeto em sala e a centralidade do profissional da educação nele, Darcy Ribeiro afirma que “Um professor se mede pelo número de crianças carentes que ele alça, recupera e leva adiante, não pelo desempenho de alunos brilhantes que, com ele ou sem ele, progrediriam igualmente” (pag 56).
Quanto as disciplinas ofertadas nos CIEPs, há uma maior valorização da linguagem, por ser ela o elo coletivo da turma, seja na escola ou em seu cotidiano. Ela representa a forma mais democrática de comunicação. Nesse sentido, mesmo com um trabalho com formas diferentes de expressão, o papel do professor de Língua Portuguesa é ampliado por sua relação com a proposta pedagógica dos CIEPs. Assim, a linguagem perpassa todas as disciplinas, mas se adequando a cada uma delas.
            Revelando a inspiração freiriana do projeto, Ribeiro denota a que o papel social dessa escola está diretamente ligado à realidade social e a cidadania. Nesse sentido, ela tem o dever de instigar na aluna a consciência do espaço que ocupa e o seu questionamento, aprofundamento a discussão acerca da localização e do aluno enquanto ser social ativo, enquanto cidadão.
            Denota-se aqui a importância da disciplina de história nesse projeto, ocupada de localizar o aluno em seu período histórico, da relação dos caminhos da história com a sua vida e conscientiza-lo da história de sua localidade e de seu povo. Destaca-se a história do Brasil e as histórias regionais.
            Para a implantação correta de todo o projeto educacional liderado por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro fazia-se necessária a capacitação do magistério que garantisse a sua valorização não somente em seu aspecto financeiro (como os já citados ajustes e 13º salário). Nesse intuito foi criada a Consultoria Pedagógica de Treinamento, com o objetivo de orientar a construção prática do projeto pedagógico no interior de cada CIEP; aperfeiçoar o corpo docente e os funcionários de apoio através da oferta de cursos e reuniões entre a classe; e avaliação da implementação do projeto.
            A proposta de treinamento dos profissionais da educação se baseava em eixos como a vontade política; gestão e decisão na escola; cultura; essencialização de conteúdos; unificação dos conteúdos e métodos de ensino; interdisciplinaridade; avaliação; E ainda contava com os chamados agentes multiplicadores, que eram professores-orientadores que aplicavam o treinamento intensivo (reuniões e encontros) e o treinamento em serviço.
            Foram criadas também as Escolas de Demonstração, instituições privilegiadas de acompanhamento e avaliação do projeto e da proposta pedagógica. Essas escolas eram o CIEP de Ipanema – primeiro a funcionar – CIEP Avenida dos Desfiles (uma escola que funcionava no sambódromo do Rio de Janeiro – também construído pelo governo Brizola - representando uma integração entre educação e cultura) e o Complexo Educacional de São Gonçalo. As escolas de demonstração representavam as exceções arquitetônicas do projeto.
            Para a implantação do projeto, era necessária a construção de centenas de CIEPs numa grande velocidade. Para tanto, optou-se por um projeto arquitetônico belo, amplo e viável economicamente. Para a execução do projeto, foi chamado o renomado arquiteto Oscar Niemeyer, que elaborou um projeto-padrão 30% mais barato do que os prédios convencionais. Todas as despesas para a construção de um CIEP gira em torno de 13 milhões de cruzados.
            O resultado do projeto é a existência de uma vida nos CIEPs, onde, pela primeira vez, são garantidas ao aluno e à comunidade saúde (assistência médica, enfermagem e odontologia), nutrição planejada (com cardápio pré-determinado), esportes (com atividades físicas integradas ao processo de aprendizagem escolar), cultura (os animadores culturais trazidos a escola garantem o contato dos alunos e da comunidade com manifestações culturais e integram os moradores da região em volta do CIEP) e até mesmo moradia, com o programa Alunos-Residentes, pelo qual 24 alunos por CIEP têm direito a residência na escola, voltando pra sua casa somente aos finais de semana. O Aluno-Residente conta ainda com o Casal-Residente, responsável por toda a criação do aluno enquanto este ocupa o espaço escolar.

            Como complemento ao Programa Especial de Educação, a Fábrica de Escolas, através de uma nova técnica de construção civil, garante a implantação das Casas de Criança (destinadas a pré-escola), das Escolas Isoladas (para comunidades periféricas) e das Casas Comunitárias. Essa fábrica, localizada na Av. Presidente Vargas, zona central da cidade, além dos benefícios integrados ao projeto educacional, acabou por também alterar positivamente indicativos sociais por sua enorme oferta de emprego na região.

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