sábado, 18 de julho de 2015

Ode ao Pensador

Devo eterna gratidão ao Gabriel o Pensador.

O ano era 2009 e o meu era 13. 

Animado com o novo videogame, perdia horas incansáveis dos dias naquele jogo pirata.
Pirata não, prefiro usar o termo brasukado.
Na introdução do jogo, tocava, dentre outras músicas que as pessoas supõem servir pra adrenalina, Brazuca, do Pensador.
A música contava a vida de Brazuca, um menino pobre da Favela que se tornou jogador de futebol, e de seu irmão, Zé Batalha, assassinado ao ser confundindo com um bandido.
De início eu pulava, ia direto pro jogo. Só queria marcar gols com o Fernando Torres e cada segundo perdido era menos uma comemoração. Quem era Brazuca?

Aos poucos fui percebendo a canção.
Primeiro, o ritmo encantou, depois a letra foi além disso.
É curioso como a nossa percepção da transformação é sempre póstuma.
Sentado na frente da minha tv de 14 polegadas, percebi que a estória cantada era na verdade uma história e foi aí que tudo aconteceu. 

Quis chorar, quis espernear, quis sair na rua procurando algum Brazuca pra acolher, mas o que concretizei na prática foi mais do que isso: eu mudei. 
Ser classe média baixa num bairro pobre é reflexivo. Ter um videogame quando na sua rua não se tem água é apavorante. 

De lá pra cá, deixei videogame, ignorei a divisão por classes, vivo mais meu bairro, caminho, vejo a vida e o lado bom que é abundante nele. 
Os Brazucas aqui ainda existem, minha luta é pela extinção da caricatura-não-exagerada dos Zés Batalha, produzidos em escala silenciosamente escandalosa e escandalosamente silenciada.

O Gabriel não sabe, mas sua canção do fim da década de 90 regou a já plantada problemática na mente de um menino avulso no século 21.



sexta-feira, 17 de julho de 2015

Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
 

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!


Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas as chuvas dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!


Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiuguiri!


Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!

_ Más nós morremos de fome!

Come! Come-te a ti mesmo, oh! Gelatina pasma!
Oh! Purée de batatas morais!
Oh! Cabelos na ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódios aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!


De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...



Paulicéia Desvairada(1922), Mario de Andrade.

Flor do asfalto

Ele nasceu e cresceu ali na favela.
Vendo o de sempre, o que o branco não vê -ou ignora-.
Conheceu uma menina, a quem chamou Espatódea.
Ela foi, mas não passou.
Ele é grato e sabe: sem ela seria difícil evitar o determinismo.
Ele trabalha, passou pra faculdade e, principal, tem uma banda.
Canta verdades pra adoçar o amargo das vidas.
É molde pro seu meio.
Negro, pobre e favelado: ele agora é a Espatódea para os seus.
Ele é a contramão.